A construção de As irmãs Makioka

Jun'ichirō Tanizaki está entre os grandes autores japoneses – e do mundo – do século XX.

A lista dos candidatos ao Nobel de Literatura ao longo da década de 1960 atesta que a Academia sueca concorda. Nos anos que precederam sua morte, em 1965, ele figurou várias vezes entre os finalistas.

É possível imaginar os ilustres membros da academia sueca em dúvida entre a fina ironia das narrativas de costumes de Tanizaki, que nunca teve medo de espiar pelo buraco da fechadura das relações humanas, e a prosa sensorial e sinestésica do estilista Yasunari Kawabata. Ao fim, foi Kawabata o primeiro autor japonês a levar para casa o prêmio de um milhão de coroas suecas.

No entanto, a influência de Tanizaki, mestre das narrativas breves e dos romances, segue viva. Quando se busca falar sobre uma obra-prima em sua bibliografia,
AS IRMÃS MAKIOKA, romance de quase 800 páginas, é geralmente o livro colocado no posto.

A obra foi originalmente serializada entre 1943 e 1948, e a narrativa se passa entre 1936 e 1941, fazendo referência a diversos eventos da época, como a 2ª Guerra Sino-Japonesa, e tendo a Guerra Mundial como uma presença que paira.

Quando a publicação do livro começou, aliás, no auge das tensões da Guerra, os censores do governo japonês ordenaram sua suspensão, já que tratava de “frouxas, afeminadas e repugnantemente individualistas vidas femininas” – a arte, definitivamente, não era considerada útil ao esforço de guerra japonês.

Além de ecoar atualidades do período, a obra também tem inspiração na vida pessoal do autor: as quatro irmãs Makioka são inspiradas em sua esposa Matsuko e suas três irmãs. Alguns episódios cotidianos do casal também aparecem, na forma de pequenos detalhes e acontecimentos, de grande valor para gerar a vida tão pulsante que sai das páginas da obra.

O grande crítico literário japonês Shuichi Kato define o livro como o Em busca do tempo perdido (clássico de Marcel Proust) de Tanizaki. Ele explica: “Durante a Guerra, Tanizaki devia ter a amarga consciência de que a vida e a sociedade às quais ele estava tão conectado seriam em breve totalmente perdidas.” As construções, os costumes, a forma de falar: o único jeito de preservar estas coisas seria registrando-as no romance.

É esse esforço monumental de recriar a vida cotidiana em suas sutilezas que consegue fazer de AS IRMÃS MAKIOKA muito mais do que uma crônica detalhada da vida de uma família. A estrutura cuidadosamente elaborada por Tanizaki se desenvolve em ciclos narrativos que se repetem e se degradam e, em conjunto, dizem respeito ao inevitável declínio social rumo aos horrores da Guerra.

A trama do romance gira em torno da família Makioka, tradicional em Osaka, e a saga para encontrar um marido para Yukiko, a terceira das quatro irmãs. Entre a vida doméstica da família, os eventos que frequentam, as aventuras das irmãs e as tratativas com famílias locais para casar Yukiko, Tanizaki recria todo o tecido social japonês, em um momento crítico em que as tradições eram ameaçadas por uma Ocidentalização e “modernização” cada vez mais intensa.

No esforço de “resgate do tempo” do autor está também uma crítica política: o tempo que recuperado é justamente o tempo anterior ao militarismo e às obsessões nacionalistas no Japão –  coisa que os censores rapidamente perceberam e não puderam tolerar. Sobre estes entreveros, que acabaram afetando até o conteúdo do livro, Tanizaki diz que era esse “o inescapável destino de um romance nascido da guerra e da paz”.

Se Tanizaki é o Proust asiático, o Tolstói japonês ou o Henry James de quimono, não sabemos ao certo. O que sabemos é que sua originalidade, sua ambição e seu profundo amor por criar e recriar histórias podem ser apreciados de maneira incomparável em AS IRMÃS MAKIOKA. 




 
Referências
Shuichi Kato, A History of Japanese Literature. Vol. 3: The Modern Years.
Anthony H. Chambers, The Secret Window: Ideal Worlds in Tanizaki’s Fiction

Comentários

Escreva um comentário