Texto escrito por Angel Bojadsen, diretor editorial da Estação Liberdade
Neste domingo (23/05), Paulo Mendes da Rocha levou sua prancheta para
outras latitudes.
Em país tão agredido e acometido de sangramento
sanitário, moral, institucional, social e econômico, esta perda nas artes e na
criação é das mais dolorosas.
Tive a grande felicidade de ter trabalhado com Paulo enquanto
editor particularmente em dois projetos no contexto da coleção Estúdio Aberto,
da Editora Estação Liberdade, de livros em que arquitetos de diversas origens,
épocas e horizontes falam de sua obra sempre na primeira pessoa, trazendo
experiências pessoais e suas visões da arquitetura.
O primeiro episódio se deu quando dos preparativos para a
publicação de América, cidade e natureza, em que Paulo revisitou algumas
de suas principais criações em parceria com a professora de arquitetura Maria
Isabel Villac, co-diretora da coleção Estúdio Aberto. Escolher as plantas e
fotos a constarem no livro, buscá-las no mítico estúdio da Vila Buarque e assim
ter acesso àquele espaço antológico não foi das menores experiências de minha
atuação como editor. O livro me deixou orgulhoso, textos e comentários
absolutamente inéditos foram incluídos; um formato apropriado para o material a
ser editado, tendendo ao quadrado, foi encontrado, na verdade funcionando como
denominador comum para a coleção inteira. Ressalto a reflexão de Paulo sobre a cidade
como espaço integrador a título de legado destes seus escritos. Estamos
reimprimindo a obra a toque de caixa, ela se esgotou no ano passado.
O lançamento do livro, no Livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos, foi um evento de congraçamento como apenas os bem-aventurados podem insuflar. Ninguém se importou em fazer uma hora e meia de fila para colher autógrafo do grande mestre do concreto bruto e puro.
O segundo trabalho desenvolvido em parceria com Paulo foi a
bela contribuição dele para o livro de El Lissitzky sobre o construtivismo na
arquitetura dos primórdios da Revolução Russa (Rússia. A reconstrução da arquitetura na União Soviética). Muito entusiasta desta publicação dos anos
1930 que resgatamos com bastante dificuldade, me veio a ideia meio amalucada de
pedir um prefácio para o Paulo, mas eu estava cético de que ele fosse aceitar.
Afinal, Revolução Russa não era a coisa mais em voga nestes tempos um tanto retrógrados,
e eu imaginava que Paulo não iria querer se expor a algo de passado deveras
carregado. Para minha surpresa, ele não só aceitou muito gentilmente e com todo
o entusiasmo, mas disse que teria toda a honra do mundo de fazer uma homenagem
pessoal a El Lissitzky, que admirava e que o influenciara sobremaneira. Fiquei
feliz da vida com minha ideia ousada. Eu sabia que Paulo Mendes da Rocha
escrevendo algo sobre El Lissiztky ... dessa confluência só podia surgir coisa
boa. O prefácio ficou maravilhoso, linda ode a que nunca devemos ter medo de
ousar.
À guisa de lançamento, sob a batuta da Maria Isabel Villac e
da diretora da Faculdade Angélica Benatti Alvim, montamos em agosto de 2019 um
debate na Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie com Paulo Mendes
da Rocha intitulado “El Lissitzky, artista total”. Para fazer o contraponto
histórico, convidamos a pesquisadora, professora e minha colega de aventuras
editoriais Neide Jallageas, que prestou uma merecida homenagem a um período tão
belo da história das artes aplicadas. Maria Isabel Villac se superou na
coordenação da mesa. O evento foi histórico, cerca de 600 pessoas abarrotaram o
“corredor” de eventos da Faculdade de Arquitetura do Mackenzie. Paulo contou
episódios que revelou pela primeira vez em público, como quando conseguiu, em
plena ditadura, um passaporte diplomático para ir à inauguração do pavilhão
brasileiro na exposição universal der Osaka em 1970, rasgando seu passaporte
“verdinho”, pois com ele provavelmente seria preso ao retornar, e que com ele
não iria, causando grande embaraço diplomático, pois os japoneses exigiam a
presença do arquiteto do pavilhão. Discorreu também sobre Vilanova Artigas e o
significado de seu legado, no início de uma tocante interação com um púbico de
professores e alunos seguros de estarem em evento raro.
Compondo a mesa de debate estavam Maria Isabel Villac, professora de arquitetura e codiretora da coleção Estúdio Aberto;
Neide Jallagas, pesquisadora e autora de livros sobre cultura russa;
e Paulo Mendes da Rocha, arquiteto brasileiro ganhador do prêmio Pritzker e responsável por obras icônicas pelo mundo.
Paulo Mendes da Rocha recebendo o livro em homenagem aos 100 anos da Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie
O evento foi histórico, cerca de 600 pessoas abarrotaram o “corredor” de eventos da Faculdade de Arquitetura do Mackenzie.
Batalhei bastante para ter Paulo Mendes da Rocha no catálogo
de nossa editora, felizmente uma empreitada que deu certo, com todo seu
corolário de lembranças profissionais e pessoais únicas.
Já deixa saudades uma das pessoas mais destacadas e queridas
da intelligentsia brasileira.
Em 2013 a Controle Remoto Filmes e Bamboo Studio registrou em uma entrevista realizada por Clarissa Schneider e Marcos Augusto Gonçalves, a sabedoria de Paulo Mendes da Rocha. O filme retrata o ponto de vista do arquiteto sobre o consistente discurso da arquitetura e da cidade.
Com cenas intercaladas do cotidiano da capital paulista e suas obras, as falas de Paulo Mendes da Rocha passam desde seus princípios de urbanidade até a citação de icônicas obras de Niemeyer, como o Conjunto Nacional e o COPAN. Num tom de conversa casual o arquiteto aponta as virtudes da Arquitetura e discursa sobre problemas que devem ser enfrentados para a criação de uma cidade com maior qualidade de vida para seus cidadãos.