REFLEXÕES DO GATO MURR 

Se um gato-narrador já seria uma opção narrativa ousada na literatura de qualquer autor contemporâneo, que dizer da Alemanha do início do século XIX? Pois é essa a iconoclastia proposta por E.T.A. Hoffmann em Reflexões do gato Murr, obra de grande comicidade e irreverência, em que o bichano evocado no título, metido a erudito e cuja personalidade passa longe da modéstia, dedica-se a produzir a própria biografia com o intuito de legar à posteridade o registro de sua felina e brilhante passagem por esta existência.
Assim, o petulante Murr, em meio a reflexões filosóficas e divagações mundanas, repassa ao leitor os momentos marcantes de sua vida, desde a primeira mão humana que o recolhe para pô-lo diante de uma generosa tigela de leite, até as danações de sua vida adulta, que incluem, por exemplo, a peculiar amizade com o poodle Ponto; o amor malfadado pela beldade bichana Miesmies; e o truculento acerto de contas “a dentadas” com o gatuno pintalgado que a roubou dele. Murr também critica seus pares “filisteus”, aqueles desprovidos de qualquer erudição – o que não deixa de ser uma ironia de Hoffmann sobre os hábitos burgueses que ele condenava.
A originalidade de Reflexões do gato Murr, no entanto, não se resume à narrativa feita pelo gato-autor: como nos adverte o editor da obra, um acidente de edição teria impresso, no mesmo livro, o manuscrito de Murr e o diário do amo do bichano, o compositor Johannes Kreisler, que originalmente o gato utilizou como suporte de suas memórias. A abordagem bem-humorada cede, então, à tensão da trama paralela. Kreisler é o protótipo do artista genial romântico, que luta para tentar manter a integridade de sua arte, sem concessões, o que para qualquer artista parece significar uma utopia. 
Mestre de capela na corte de uma decadente família real, ele é a testemunha ocular das intrigas e conspirações que permeiam as relações entre nobres e subalternos. A profusão de situações e personagens bizarros – magos charlatões, o affair de Kreisler com a princesa Júlia, um príncipe com síndrome de Peter Pan, religiosos patéticos – não encerra uma trama fechada, servindo muito mais como uma crítica de valores do autor em relação ao sistema político monarcal, que fenecia na Alemanha. As pontas da trama em aberto, que poderiam indicar um eventual interesse de Hoffmann por uma continuação, talvez se expliquem, também, pelo fato de o autor ter morrido antes de ter conseguido efetivamente finalizar o romance. No entanto, elas não comprometem o resultado, pelo contrário: dão à obra uma aura “moderna”, e acabam por instigar o leitor a, ele mesmo, completar as peças desse instigante quebra-cabeça.
 A mistura improvável de gêneros e a originalidade na forma fazem de Reflexões do gato Murr um livro de inventividade ímpar e frescor cômico atemporal, assinado por um dos mais clássicos autores da história literária alemã.


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E.T.A HOFFMANN

Ernst Theodor Wilhelm Hoffmann nasceu em Königsberg, na Prússia Oriental, em 1776. Desenvolveu carreira como jurista, atuando em tribunais de apelação em Berlim e em Varsóvia. Mas desde cedo já demonstrava inclinação para as artes, como pintura, teatro e, sobretudo, música clássica (era admirador de Mozart, de quem adotou o nome Amadeus em substituição a Wilhelm), passando a dedicar-se a tais paixões de modo integral a partir de 1808.

Foi homenageado por Jacques Offenbach com a ópera Os contos de Hoffmann, baseado em três histórias do autor. De saúde permanentemente frágil, agravada pelo abuso de álcool, ele seguiu produzindo até o fim da vida, inclusive ditando a um escriba quando sua condição motora já estava comprometida por uma paralisia progressiva que se mostraria fatal. Faleceu de forma precoce em 25 de junho de 1822, aos quarenta e seis anos de idade.

Por esta casa, tem publicados o romance Reflexões do gato Murr (2013) e a coletânea O reflexo perdido e outros contos insensatos (2017).



Livro
Tradutor Maria Aparecida Barbosa
Formato 14x21cm
Páginas 440
ISBN 978-85-7448-225-5

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