A busca excessiva pela aceitação e a obsessão pela normalidade nos leva a crer num padrão de razoabilidade dos nossos atos, pensamentos e sentimentos. Querer sentir que nos encaixamos em alguma parte do mundo é algo que vemos com frequência na sociedade. Sayaka Murata nos permite discutir sobre o assunto em seu romance Querida konbini, publicado pela Editora Estação Liberdade.
Murata cria um retrato
da sociedade contemporânea, satirizando suas obsessões e abordando temas
essenciais: normalidade e estranheza, relações de trabalho, gênero, sexo, amizade,
e a forma como as pessoas — em particular as mulheres — são pressionadas para
atender às expectativas alheias.
Em Querida konbini acompanhamos a vida da protagonista e narradora Keiko
Furukura, que aos 36 anos nunca se envolveu romanticamente e, desde os dezoito,
trabalha numa konbini, ou seja, uma
loja de conveniência. Todos que convivem com Keiko insistem que ela arranje um
trabalho sério ou, pior ainda, um marido. Keiko, no entanto, está satisfeita
consigo mesma. Deslocada desde a infância, é na loja, com regras estritas para
os funcionários e dinâmica precisa de funcionamento, que ela consegue pela
primeira vez se sentir uma peça no
mecanismo do mundo. Curiosamente, a história da personagem se parece em
diversos pontos com a história da própria autora.
Pelo olhar único de sua
protagonista, Murata aborda questões complexas como a repulsa ao sexo e os hikikomori, pessoas que se isolam do
convívio social, além de alguns tabus, a obsessão pela normalidade e as
relações familiares. Ao escancarar os pequenos rituais, fingimentos e meandros
da busca por um lugar ao sol na sociedade, a autora nos coloca frente a frente
com a pergunta: o que é, afinal, ser
normal?
Querida konbini explora e discute até onde iríamos para nos
encaixarmos na sociedade.
Sayaka Murata nasceu em
1979 em Inzai, na província de Chiba, próxima a Tóquio. Fã de mangás e ficção
científica, desde a infância já escrevia histórias. A família mudou-se depois para a capital japonesa, onde ela estudou
artes na Universidade Tamagawa e quando começou a trabalhar, assim como sua
personagem Keiko, em uma konbini. A
escrita, que tinha sido pausada no ingresso à faculdade, então foi retomada,
dessa vez permanentemente.
Querida konbini, que é o décimo livro que a autora escreveu,
marcou seu nome entre os mais celebrados da nova literatura japonesa: a obra
ultrapassou a marca de 700 mil exemplares vendidos no Japão, ganhou o prêmio Akutagawa, um dos mais
prestigiosos do país, e rendeu-lhe um lugar entre as mulheres do ano de 2016 da
Vogue japonesa. Antes, ela havia
recebido os prêmios Gunzo e Noma, em 2003 e 2009, ambos voltados
para novos escritores, e o prêmio Yukio
Mishima, em 2013. Murata disse em entrevista que o impacto causado pelo
livro lhe ajudou a escancarar quão estranhas são as pessoas que se consideram
normais.
Os temas abordados por
ela costumam se relacionar à não conformidade dentro da sociedade japonesa nas
relações de gênero e trabalho e na sexualidade, e em Querida konbini tudo isto fica evidente. Publicado também pela
Estação Liberdade e com tradução de Rita Kohl, o romance Terráqueos explora também temas desse gênero e exige leitores tão
ousados quanto a escritora. Murata tem ainda um conto, “Um casamento limpo”,
publicado na revista literária Granta, v.
13: Traição, vertido ao português pela mesma tradutora dos romances.