O OLHO DA UNIVERSIDADE


Não há lugar neutro ou natural no ensino.” Essas palavras de Jacques Derrida dão a tônica de uma reflexão que se impõe nesses tempos de instrumentalização, ou “finalização” da Universidade, como diria ele. Não se trata de ser fundamentalmente contra um ensino permeável à tecnologia e aos fins econômicos, mas sim de saber onde termina a responsabilidade do pesquisador e onde se inicia a cooptação. Michel Peterson, em sua longa introdução, dirá que a contraposição entre pesquisa fundamental e utilitária é uma falsa questão. Ele parte de Derrida para debruçar-se sobre o discurso tecnoeconômico que tenta se impor à Universidade, e como este se coaduna com a noção de responsabilidade.

De qualquer forma, o que é a responsabilidade na Universidade? É responsável discutir esta responsabilidade? Quem tem o direito de fazê-lo? Segundo Derrida, que retoma um Kant “atual e casto” e mergulha em seu Conflito das Falculdades, “a Universidade está aí para dizer o verdadeiro, para julgar, para criticar no sentido mais rigoroso do termo, a saber, para discernir e decidir entre o verdadeiro e o falso; e, se ela também está habilitada a decidir entre o justo e o injusto, o moral e o imoral, é porque a razão e a liberdade de juízo estão implicadas.”

Derrida, cujo rastro Michel Peterson segue com uma clarividente perseverança, nos traz uma oportuna discussão nesta Aula inaugural proferida na Universidade de Cornell cerca de duas décadas atrás e que em nada envelheceu, muito pelo contrário; e o fato de Derrida, além de retomar Kant, aludir a Aristóteles, Leibniz, Schelling, Nietzsche, Benjamin, Heidegger e seu célebre discurso de posse como reitor da Universidade de Heidelberg de 1933 (A Auto-afirmação da Universidade Alemã), não faz senão realçá-la em sua necessária abrangência.

Assistimos aqui a um multifacetado ensaio onde desconstrói-se a “arquitetura do saber e do poder”, onde Michel Peterson destaca a importância das questões semânticas: “a passagem pela linguagem, pelo texto, pela literatura e pelo que, além da literatura, baralha seu conceito é, pois, o que autoriza Derrida a propor um tipo de responsabilidade impuro, ilegal (...) e mesmo atualmente impossível ”. E Kant já não reivindicava um “poder controlador da filosofia sobre todas as outras disciplinas” (o domínio da verdade) contra o domínio da utilidade, onde se vê a Universidade a serviço de governos, imbuído de direitos “contratuais” de “controlar e censurar tudo o que, em seus enunciados, não fosse meramente constatativo (...)”?


 



JACQUES DERRIDA

Jacques Derrida nasceu em El-Biar, Argélia, em 1930. Após marcante experiência de serviço militar na Argélia conflagrada, inicia sua carreira filosófica como professor em Le Mans, na companhia de Gérard Genette (1959-60), e de assistente de Gaston Bachelard e Paul Ricceur nas cadeiras de filosofia geral e lógica na Sorbonne (1960-64), onde organizou posteriormente os Estados Gerais da Filosofia. Professor da École Normale Supérieure de 1963 a 1984, manteve intenso intercâmbio com outros países, em especial com as universidades americanas, nas quais lecionou por diversas vezes, chegando inclusive a receber em Yale o primeiro de seus 21 títulos Honoris causa. Fundador do Colégio Internacional de Filosofia em 1983, tornou-se, em 1984, diretor de Estudos na École des Hautes Étudesen Sciences Sociales, lá realizando seus famosos seminários anuais. Jacques Derrida faleceu em 2004, em Paris, em decorrência de um câncer. Deixou uma extensa obra que, ancorada na estratégia da desconstrução – seu incontestável legado filosófico –, passeia entre a filosofia, a literatura, a tradução, mas também, e principalmente, a política, a biotecnologia e a religião. Entre seus livros publicados no Brasil estão Gramatologia (Perspectiva), A Voz e o fenômeno (Jorge Zahar), Margens da Filosofia (Papirus), Mal de Arquivo e Espectros de Marx (Relume Dumará), O Olho da Universidade, A Universidade sem Condição, A Religião (org. Gianni Vattimo) e Papel-máquina, estes quatro últimos pela Estação Liberdade.  



Livro
Tradutor Ignacio Antonio Neis e Ricardo Iuri Canko
Páginas 160
ISBN 978-85-7448-008-4

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