O
romance integra uma trilogia do autor, da qual também faz parte A substituição ou As regras do Tagame, publicado pela casa no ano
passado
Kogito Choko, alter ego do próprio Kenzaburo Oe e protagonista de A substituição ou As regras do Tagame,
está de volta. Agora mais velho e convalescente depois de ter sido ferido,
recebe no hospital a visita de Shigeru Tsubaki, um amigo de infância com quem
vai morar, após a alta, numa propriedade de veraneio próxima a Tóquio.
A partir do reencontro e de muito diálogo entre os dois personagens, Oe,
que é mestre na arte de permear a literatura com experiências de sua vida
pessoal, oferece aos leitores uma vasta gama de assuntos que, sendo caras ao
autor, tal como são postas, são também de interesse da humanidade. Fala-se de
literatura, arquitetura, cinema, música; fala-se de política, de guerras; de
suicídio, envelhecimento; fala-se das relações familiares, do Japão e do mundo.
A dinâmica de duplos não se limita a Kogito e Shigeru. Há espelhamento
nas relações de outros personagens. Espelhamento também entre vivos e mortos.
Ocidente e Oriente. E, no fundo, talvez o mais significativo: entre externo e
interno. Kogito, adepto de longa data do pacifismo, encontra-se num dilema:
participar ou não de um ato violento para garantir dos danos o menor, ao invés
de tentar evitá-lo de todo. A decisão terá que ser tomada ou por sua parte
exterior, social e pacifista, através da qual ele é reconhecido, ou pela
interior e recôndita, que guarda segredos dos mais inesperados.
O título Adeus, meu livro! é
tomado do parágrafo que encerra O dom,
de Vladimir Nabokov. T. S. Eliot também está presente, citado e debatido.
Também é trazido à baila Yukio Mishima, contemporâneo a Oe mas que se suicidou
aos 45 anos em ato apoteótico. Kenzaburo Oe perscruta algumas de suas ideias
políticas que visavam romper com a ordem e instigar os militares a um golpe de
Estado…
Título: Adeus, meu livro!Autor: Kenzaburo Oe Tradução e notas: Jefferson José Teixeira ISBN: 978-65-86068-73-3Formato: 16 x 23 cm / 448 páginasLançamento: 15/3/2023Preço: R$84,00
O autor
Kenzaburo Oe nasceu em 1935, em Ose,
vilarejo das florestas de Shikoku, a menor das quatro principais ilhas do
Japão. Oe tinha seis anos quando
estourou a Segunda Guerra Mundial, durante a qual seu pai morreria. Uma de suas
avós era contadora de histórias e carregava assim os mitos e as tradições do
clã Oe, impactando o jovem Kenzaburo.
Com a derrota do Japão na
guerra, ocorreram enormes mudanças no país, inclusive onde cresceu Oe. Os
alunos nas escolas passaram a receber uma educação diferente, aprendendo
princípios ocidentalizados, ao que Oe manifestaria reservas. Aos dezoito anos,
pegou pela primeira vez o trem até a capital do país e, um ano depois, estudava
literatura francesa na Universidade de Tóquio. Através da influência do
realismo grotesco de Rabelais, passou a reinterpretar a história de seu povoado
e a sua própria.
Começou a escrever em
1957. Compôs um poderoso ensaio sobre o bombardeio atômico de Hiroshima e o
terrível legado da catástrofe, além de uma extensa lista de ficção que se
utiliza bastante do Japão pós-guerra para retratar uma geração marcada por
tanta tragédia. Assume então uma posição pacifista e antimilitarista que
marcaria fortemente sua atuação cívica.
A vida e a carreira
literária de Oe entraram em crise com o nascimento de seu primeiro filho,
Hikari, portador de uma deformidade craniana que lhe resultou em
comprometimento cognitivo. Apesar disso e mesmo por causa disso, Oe adquiriu
novo fôlego e nova perspectiva sobre a vida e a escrita, em que Hikari tomaria
uma posição central.
No Brasil, já foram
publicadas as obras Uma questão pessoal (2003), Jovens de um tempo
novo, despertai (2006), 14 contos de Kenzaburo Oe (2011) e Morte
na água (2021), todas pela Companhia das Letras, e A substituição ou As regras do Tagame (2022), pela Estação
Liberdade.
Recebeu os mais
importantes prêmios literários do Japão, incluindo o Akutagawa, o Tanizaki e o
Yomiuri; em 1994 foi premiado com o Nobel de Literatura. Atualmente vive com a
mulher e o filho Hikari em Setagaya, bairro de artistas e intelectuais nos
arredores de Tóquio.
Trechos —
Assim, Goro criticava a maneira como você, Kogi, lia poesia. Era também uma
crítica premonitória sobre sua vida. Não era o que Goro dizia? Por não ter ido
à guerra e não ter participado das lutas revolucionárias, ele afirmava que você
desistira de si mesmo quando era estudante colegial. Não seria um problema se
daquele momento em diante você se deixasse levar pela vergonha de uma vida
questionável. No entanto, você ficou fascinado apenas pelas ideias filosóficas
maravilhosamente expressas, como acontece agora em relação à sua afeição por
Eliot. Com o sentimento de viver das lembranças do passado. [p. 90] —
Mishima levava a sério a ideia de um golpe de Estado das Forças de Autodefesa?
Ou seja, ele o idealizou como um programa com possibilidades positivas de se
concretizar? O que Mishima pretendia ao iniciar o movimento da Tate no kai, a
Sociedade do Escudo? Tendo-a como base, ele incitou, em última análise, as
Forças de Autodefesa a darem o golpe de Estado. No entanto, como a ideia não
foi aceita, ele acabou se suicidando por esventramento. Se ele tinha de cor uma
última sentença imaginando essa possibilidade, pode-se imaginar o quanto seria
mórbido. [p. 105] A
narração detalhada das etapas preparatórias de sua derradeira grande empreitada
constitui a terceira parte a ser redigida pelo escritor. Na etapa atual, eu
ainda nada poderia afirmar sobre a dimensão da grande empreitada. Bem, a
fronteira entre o romance e a realidade é tênue, mas admita que reside nela justamente
a sua técnica, Kogi. Isso porque, caso nos lancemos de fato à luta, todo tipo
de erro tolo pode acontecer. Algo com a escala de uma provável destruição do
centro de Tóquio talvez acabe apenas como fogos de artifício soltos por
crianças em um bairro residencial. [p.
139] — Não
comentarei o que ou como faremos, Kogi, apenas espere pela surpresa e pela
excitação quando o momento enfim chegar. Temos ainda bastante tempo pela
frente! Restringindo-nos ao momento atual, gostaria que você guardasse no peito
a estrofe de Eliot: Que não me falem da
sabedoria dos velhos, mas antes de seu delírio. [p. 147] No
torso do jovem, nu e liso como uma prancha, viam-se tatuagens tênues e
simétricas. O que causava forte impressão eram os olhos muito negros que
devolviam para a câmera um olhar repleto de melancolia e desconfiança e os lábios
repletos de uma ingenuidade provocante. A foto ao lado era a de um japonês
quase chegando aos quarenta anos, vestindo uma camiseta com um logo dos que se
costuma encontrar à venda nos centros acadêmicos das universidades. A força
encantadora de seus olhos e lábios era semelhante à do outro retrato. [p. 273]
Título: Adeus, meu livro!
Autor: Kenzaburo Oe
Tradução e notas: Jefferson José Teixeira
ISBN: 978-65-86068-73-3
Formato: 16 x 23 cm / 448 páginas
Lançamento: 15/3/2023
Preço: R$84,00
O autor
No Brasil, já foram publicadas as obras Uma questão pessoal (2003), Jovens de um tempo novo, despertai (2006), 14 contos de Kenzaburo Oe (2011) e Morte na água (2021), todas pela Companhia das Letras, e A substituição ou As regras do Tagame (2022), pela Estação Liberdade.