A ALEGORIA DO PATRIMÔNIO
Françoise Choay é uma das maiores autoridades mundiais na área de pesquisa sobre a história do patrimônio artístico e arquitetônico.
Por que o patrimônio histórico, arquitetônico e urbano conquistou atualmente um público mundial? Por que seu conhecimento, conservação e restauração se tornaram um desafio para os Estados do mundo inteiro?
Nem seu valor cognitivo e artístico, nem o fato de constituir uma atração em nossa sociedade de lazer o explicam satisfatoriamente. A busca de uma resposta que envolva de forma mais profunda o caráter dessa herança em sua relação com a história, a memória e o tempo, passa, para Françoise Choay, por uma volta às origens, uma arqueologia dos conceitos de monumento e de patrimônio histórico.
Essa investigação, que abrange mais de cinco séculos, esclarece o atual culto do patrimônio e seus excessos, e investiga seus laços profundos com a crise da arquitetura e das cidades. Assim, valiosa e precária, nossa herança arquitetônica e urbana revela-se alegoricamente num duplo papel: espelho cuja contemplação narcisista mitiga nossas angústias, labirinto cujo percurso poderia nos reconciliar com esse apanágio do homem, hoje ameaçado: a competência de edificar.
A alegoria do patrimônio reconhece a urgência de uma mudança de orientação que possa reverter o desenrolar da indiscriminada e acelerada especulação com os bens patrimoniais. A abordagem das relações estabelecidas com o patrimônio propõe uma reflexão sobre o futuro das sociedades e focaliza os bens culturais representados pela arquitetura e pelas cidades, discutindo e defendendo uma antropologia da apropriação do espaço no tempo, bem como seu futuro.
O olhar sobre as relações com os artefatos construídos traça uma linha alegórica e evolutiva, dos tempos medievais até a segunda metade do século XX, que clarifica um projeto iniciado com a representatividade dos monumentos – a princípio chamados de antiguidades – e que prossegue estimulando o sentimento de patrimônio e, finalmente, a noção de patrimônio histórico. Esta evolução reconhece um primeiro estágio de ligação afetiva com as obras e um segundo momento em que a distância histórica permite gerar uma abordagem cuidadosa, criteriosa e deliberada de valorização do patrimônio. É através da experiência no decorrer do tempo que uma linhagem de intelectuais, eruditos e colecionadores, amantes da arte, antiquários, ilustrados, historiadores da arte e arquitetos – desde Petrarca, Alberti, Quatremère de Quincy, Viollet-le-Duc, Victor Hugo, Ruskin, Alois Riegel, Camillo Sitte, Gustavo Giovannoni, André Malraux – investigam o tema e ensaiam o trabalho sobre os bens patrimoniais.
Esta evolução parece encontrar, no entanto, seu limite no tempo atual, quando se observa que as ações sobre o que se considera patrimônio tendem a precipitar uma falsa consciência de seu valor. A forma indiscriminada com que, desde os inícios da modernidade racionalista, a natureza da técnica é transformada, passando a mediatizar a relação dos homens com as coisas, além do fato de já não se construírem monumentos, faz que a cultura do patrimônio se afaste cada vez mais do poder de simbolização, opondo-se assim à continuidade de uma competência antropológica de edificar. Esta competência, pela qual os arquitetos têm relações diretas com os terrenos, as águas, os climas, com os ventos, os vegetais e as estações, conhecendo o comportamento dos materiais e as regras de sua utilização, rejeita as relações intermediadas com o ambiente, assim como envolve memória ancestral, entendimento e construção da teoria enquanto reflexão sobre a prática e a experiência.
A transformação do entendimento do patrimônio, nas práticas atuais, como produto de consumo e espetáculo, banaliza a dimensão fundamental que o inaugura. Esquece, pela forma indiscriminada com que se metamorfoseia seu valor de uso em valor econômico, que as decisões desta natureza implicam discutir o destino de obras arquitetônicas e, sobretudo, o futuro das cidades, com base no reconhecimento de seu valor histórico e estético.
Diante da exaustividade simbólica à qual se atribui a interpretação de "síndrome narcisista" – originada na desestabilização da identidade ocasionada pelo desenraizamento do tempo orgânico e do espaço sensorial, geradora de uma forma indiscriminada de culto ao patrimônio, que elimina diferenças e heterogeneidades –, a opção por um destino antropológico pode reconduzir os objetivos de conservação do patrimônio à conservação da capacidade de lhe dar continuidade e substituí-lo. Isso implica liberdade como única forma de relação com o tempo e o espaço, exigindo, cada vez mais, pedagogias especiais que, além do bom senso, se inscrevam em tradições urbanas e comportamentos patrimoniais.
Coedição Editora Estação Liberdade e Editora UNESP
FRANÇOISE CHOAY Françoise Choay é historiadora das teorias e das formas urbanas e arquitetônicas e professora da Universidade de Paris-VIII. Publicou ainda L’Urbanisme, Utopies et Réalités - Une Anthologie, 1965, e La Règle et le Modèle - Sur la Théorie de l’architecture et de l’urbanisme, 1980 (1996). É detentora do Grand Prix National du patrimoine, 1995. |
Livro | |
Tradutor | Luciano Vieira Machado |
---|---|
Formato | 14x21cm |
Páginas | 286 |
ISBN | 978-85-7448-030-5 |