Quando um continente convida à evasão e a imaginários fabricados

As Américas: um sonho de escritores, de Philippe Ollé-Laprune

Quando um continente convida à evasão e a imaginários fabricados 


Blaise Cendrars, Stefan Zweig, Henri Michaux , Ernest Hemingway, Witold Gombrowicz, Burroughs e tutti quanti



Há muitos livros de historiadores sobre viagens de europeus à América Latina, mas a maioria deles se restringe ao período desde os descobrimentos no século XV até o século XIX. Em As Américas: um sonho de escritores, Philippe Ollé-Laprune relata as viagens à América Latina de diversos escritores ocidentais do século XX. Em cada capítulo é apresentado um escritor e o respectivo país que veio visitar ou morar.

A edição brasileira foi ampliada com dois capítulos que não constam na francesa: um sobre o polonês Witold Gombrowicz na Argentina, e outro sobre o inglês Malcolm Lowry no México.

Roger Caillois, também na Argentina; William S. Burroughs, Victor Serge, D.H. Lawrence, César Moro e os surrealistas franceses, também no México; Blaise Cendrars, Stefan Zweig e Georges Bernanos, no Brasil; Henri Michaux, no Equador; Ernest Hemingway e Robert Desnos, em Cuba.

No decorrer do século XX, a América Latina constituiu para muitos escritores ocidentais um espaço que os convidava a ir à novidade e a sonhar. O gosto pela fuga, a sede de evasão, o desencanto com a cultura europeia, mas também o exílio forçado face ao perigo totalitário na Europa — são inúmeros os motivos que levaram esses criadores da imaginação a partir, e suas estadias tiveram consequências radicais em seu destino e seus textos.

Com seu indiscutível talento como narrador, Philippe Ollé-Laprune relata em As Américas os dramas pessoais desses escritores e o encontro deles com estas terras de paixões, desequilíbrios e exaltações que deram origem a algumas das obras mais significativas do nosso tempo.

Em outubro, o autor francês Philippe Ollé-Laprune desembarca no Brasil para uma sequência de eventos, incluindo o lançamento presencial de As Américas: um sonho de escritores.







Um pouco sobre Philippe Ollé-Laprune



Philippe Ollé-Laprune nasceu em Paris, em 1962. Reside no México há vários anos, onde dirigiu o Departamento do Livro da Embaixada da França e fundou a Casa Refugio Citlaltépetl, que acolhe escritores estrangeiros perseguidos em seus países. Na França, publicou, entre outros, Cent Ans de littérature mexicaine [Cem anos de literatura mexicana], Mexique, les visiteurs du rève [México, os visitantes do sonho] e Ombre de la mémoire [Sombra da memória], todos ainda sem tradução no Brasil. As Américas: um sonho de escritores é o primeiro livro de Ollé-Laprune a que os leitores brasileiros têm acesso em português, aliás com o acréscimo dos capítulos sobre Gombrowicz e Lowry, respectivamente, na Argentina e no México, que não constam na edição francesa do livro.




Amostragem a título de aperitivo



“A escrita literária, no movimento que a impulsiona contra a realidade, alimenta-se de um desejo de oposição ao ambiente mais próximo, comparável àquele que transporta o viajante para longe. Cada um dos atores dessas duas atividades, o escritor e o nômade, age por gosto de uma fuga e a partir da vontade de explorar. ‘Certo dia, experimenta-se um desejo imperioso de se mexer’, escreveu D.H. Lawrence. Ele teria podido dizer o mesmo sobre o impulso que o levou à redação de seus livros. Quando esses dois gestos emanam de uma única e só pessoa, a sede de evasão alimenta a obra e a torna mais singular e mais sólida. Ao menos é o que alguns autores da literatura ocidental nos convidam a observar.” [p. 17]

“Em maio de 1923, Oswald de Andrade e sua mulher Tarsila do Amaral, pintora de talento, encontram-se com Cendrars em Paris. A simpatia mútua é imediata e o amigo Blaise abre para eles as portas do mundo artístico parisiense. Cendrars, o Generoso, não tem um centavo, mas sabe oferecer o que tem: seus contatos e sua reputação. Em setembro, durante um jantar memorável, a ideia de uma viagem ao Brasil é lançada.” [p. 33]

“Nesse Brasil escolhido como último exílio, deram as costas para a vida; essa terra, que inspira tão facilmente a exuberância e se move sem esforço em celebração da beleza e da vida, tem também a capacidade de inspirar a tristeza e o desespero. O gesto último do casal Zweig não apenas demonstra o abatimento profundo, mas marca também o lado implacável de um destino que se cumpre, ainda que o universo circundante parecesse, antes, convidar Zweig a uma reconciliação com a existência.” [p. 164]

“O escritor passa ali cada vez mais tempo, vai com frequência ao hotel Ambos Mundos, onde corrige as provas de Morte ao entardecer e escreve uma parte de Adeus às armas. Apesar de sua reputação de festeiro e grande beberrão, Hemingway é um trabalhador contumaz e disciplinado. Levanta-se muito cedo todas as manhãs, qualquer que seja seu estado ou a noitada da véspera, para escrever à máquina. A verdade é que ninguém sabe de fato até onde Ernest participa dos eventos dos norte-americanos que desembarcam na ilha [de Cuba], sujeitos descontrolados e ávidos por noites festivas e prostitutas baratas. Os cronistas da época não o veem participar de nada disso. Claro, é amigo do barman do ‘Floridita’, seu bar preferido, onde tenta bater recordes de consumo de daiquiri. Mas sabe como funciona a cidade e sua rejeição aos Estados Unidos faz com que evite os lugares onde pululam seus compatriotas. Integrou-se de tal maneira ao lugar que nada tem de banal turista. [pp. 206-207]

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