UMA MISSA PARA A CIDADE DE ARRAS
O enredo é medieval e o cenário, obscuro, fatalista e permeado de intolerância. A destruição causada pela peste, os excessos da fé e a violência étnica são, entretanto, uma parábola da essência de todos os crimes da história.
Na primavera de 1458, Arras, cidade do ducado do Brabante, foi vítima de uma terrível epidemia de peste. A fome, a mortandade e o pânico deram vazão a sentimentos e atos extremados que uma quarentena total aguçaria: devassidão, assassinatos, estupros, caça às bruxas e condenação de supostos hereges para a redenção das almas dos mortais pecadores. Pois, na penumbra medieval, que elementos têm os cidadãos para explicar um fenômeno que dizimou partes inteiras da população local, senão a crença no irracional e em castigos divinos?
Três anos mais tarde, a estranha morte de um cavalo – que a população se apressou em ver como resultado de uma praga rogada por um judeu – é o estopim de uma terrível crise de insanidade coletiva que ficou conhecida na história como a Vauderie d’Arras. Suplícios com diversos graus de crueldade e condenações à fogueira tornam-se moeda corrente. E como se o mal inquisitório não bastasse, usam-se as disputas religiosas para acertos de contas pessoais e coletivos.
Uma campanha de purificação é lançada, com os resultados que se pode imaginar. Para, no final, a autoridade suprema dizer com toda a frieza e o cinismo dos dominantes: “O que aconteceu não aconteceu, o que foi não foi!”
Esta perspicaz incursão no mundo da intolerância recorre a um cenário longínquo para denunciar os mecanismos suscetíveis de contaminar as mentes humanas, mesmo aquelas supostamente esclarecidas.
Szczypiorski escreveu esta obra sob o impacto de uma campanha anti-inteligentsia que acabou assumindo feições anti-semitas durante o 1968 polonês. Mas a inauguração de um novo milênio com a retomada de discursos pré-iluministas e de cruzadas do bem contra o mal nos leva a crer que infelizmente está bem vivo o bacilo que inoculou o pessimismo pestífero de um dos maiores autores poloneses do século XX.
ANDRZEJ SZCZYPIORSKI Andrzej Szczypiorski nasceu em Varsóvia em 1924. Após participar em 1944 do levante contra a ocupação alemã, ficou detido no campo de concentração de Sachsenhausen. Depois de alguns anos de jornalismo, publicou seus primeiros contos em 1955, seguindo com reportagens e ensaios (entre os quais o famoso Diário da Lei Marcial, 1983) que o tornaram algo como uma consciência da nação. Uma missa para a cidade de Arras, traduzida por Henryk Siewierski e publicada pela Estação Liberdade em 2001, foi sua primeira obra editada no Brasil, e é um dos mais prestigiados romances do pós-guerra na Polônia. A bela senhora Seidenman [Poczatek, 1986], projetou sua carreira internacionalmente, sendo traduzido para cerca de vinte idiomas. Destacam-se ainda Noc, dzien i noc [Noite, Dia e Noite, 1991] e Autoportret z kobieta [Autorretrato com Mulher, 1994], entre seus mais de vinte romances. Membro do PEN-Club polonês, foi confinado por alguns meses durante a vigência da Lei Marcial, em 1981-82. Elegeu-se senador pelo Solidariedade em 1989, mas afastou-se da agremiação devido à deriva direitista e populista da mesma. Empenhou-se em cicatrizar as feridas ainda abertas entre poloneses, judeus e alemães. Faleceu em 16 de maio de 2000. |
Livro | |
Tradutor | Henryk Siewierski |
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Formato | 14x21cm |
Páginas | 156 |
ISBN | 978-85-744-049-7 |