157 ANOS DE NATSUME SOSEKI

O HOMEM DE MEIJI

 

Natsume Soseki (1867-1916, nascido Natsume Kinnosuke*) é um dos escritores japoneses mais queridos em sua terra natal e também o mais traduzido e estudado no mundo. Isto porque Soseki foi principal artista de sua geração, considerado o mais representativo intelectual de seu tempo.

Sua vida praticamente coincidiu com a era Meiji (1868-1912).O período teve início com o fim do xogunato Tokugawa e a restauração do poder do Imperador. Foi aí que Edo, onde Soseki nasceu, se tornou oficialmente a capital japonesa e passou a se chamar Tóquio. Mas, principalmente, foi na era Meiji que o Japão deu início a seu processo de modernização (nos moldes ocidentais),abrindo seus portos para o mundo e vendo a chegada dos telefones, trens,beisebol, arquitetura ocidental e milk-shakes.

 

*Natsume é o nome da família. O pseudônimo Soseki, adotado na Universidade, é uma corruptela de uma palavra chinesa,significando “estorvo”, “incômodo”.
 
 

FAMÍLIA, ESCOLA, UNIVERSIDADE, TRABALHO
 

Recém-nascido, Soseki foi entregue para ser criado por outra família. Foi trazido de volta pela irmã mais velha, mas, pouco depois,dado para adoção. Mesmo em seu retorno, já com 9 anos, não foi acolhido: foi ensinado a chamar os pais de avós. Nunca teve muita intimidade com o pai, e sua mãe, de quem era mais próximo, faleceu quando ele tinha 14 anos. 

Na escola, apresentou-se a Soseki a escolha entre um currículo mais tradicional, focado em chinês clássico, e um mais progressista,que incluía o estudo do inglês. Por seu interesse precoce pela escrita,escolheu o primeiro. Depois, no entanto, foi persuadido a mudar para o estudo do inglês, para que pudesse contribuir com a nova sociedade. Desta forma, ele conseguiu, ao terminar o ensino médio, ingressar na Universidade Imperial de Tóquio.

Soseki foi o segundo estudante a se graduar em língua inglesa na instituição, e se destacava por possuir um domínio inigualável da disciplina. Em 1893, após se formar, ganhou uma posição como professor na Escola Superior Normal de Tóquio. No entanto, abdicou do prestigioso cargo acadêmico e saiu da capital: primeiro foi para a ilha de Shikoku e, depois,mais a oeste ainda, para Kumamoto, onde foi professor de ensino médio. Foi em Kumamoto que Soseki se casou com Kyoko Nakane, filha de um alto oficial do governo. Suas experiências nessas cidades serviriam de inspiração para Botchan (publicado originalmente em 1906 e pela Estação Liberdade em 2016). 


 
O ESCRITOR
 

Soseki já havia escrito haicai e kanshi em seu tempo de universidade, em parte inspirado pelo poeta Shiki Masaoka (1867-1902), seu colega. Em Kumamoto, Soseki deu continuidade à produção de poesia, tornando-se reconhecido e reunindo leitores. Também escreveu e publicou diversos artigos sobre literatura. 

Aos 33 anos, casado, com filhos e já considerando abandonara carreira acadêmica, Soseki foi enviado pelo governo japonês para estudar por 2 anos em Londres. Por conta de burocracias das instituições inglesas e pela baixa bolsa que recebia, o período foi de crise. Soseki se viu sem dinheiro,sem amigos e longe da família, deixando de comprar comida para poder comprar livros. Ele se aprofundou nos estudos, trancado com seu material de pesquisa,tentando desenvolver um método científico para o estudo da literatura. Amigos e família temiam por sua saúde mental.

Ele voltou ao Japão em 1903 para terminar seu monumental estudo literário, Bungakuron [Teoria da literatura] (1906). Em Tóquio, ele assumiu um cargo como professor na Primeira Escola Superior e também passou a palestrar na Universidade Imperial.Os compromissos profissionais e a constante falta de dinheiro e tempo tornaram esse período exaustivo para Soseki. Mesmo assim, foi nesses anos que ele escreveu seu primeiro romance: Eu sou um gato (publicado originalmente em 1905 e pela Estação Liberdade em 2008). A enorme popularidade do livro e a vontade de Soseki de viver como escritor culminaram em sua saída da Universidade Imperial para integrar a redação do Asahi Shimbun, o maior jornal do país. Na época, ser jornalista não era visto pela sociedade com muita estima. O abandono da prestigiosa posição foi, em suma, chocante. 


 
LEGADO
 

Entre Eu sou um gato,em 1905, e sua morte, em 1916, Soseki escreveu mais de dez romances, além de centenas de ensaios, poemas, contos e textos jornalísticos. Tomando o conjunto de seus trabalhos,fica notório o domínio de Soseki sobre a arte da escrita, passeando por diversos gêneros, empreendendo experimentações estilísticas e estruturais diversas, tornando-se um pioneiro do modernismo em seu país.

Ele era uma figura ativa na cena artística, oferecendo generoso apoio aos escritores mais jovens.Às quintas-feiras, dia dedicado a seus discípulos, sua casa virava um grande salão literário. É na chamada “primeira trilogia” (composta por Sanshiro [1908], E depois [1909] e O portal [1910]) que Soseki encontra sua maturidade como romancista, identificando os temas que queria tratar e os personagens que iriam ser usados para comunicá-los. Ele seguiu explorando estes temas: amor, morte, autoconhecimento e sociedade, e a perspectiva tornava-se cada vez mais sombria. Sua popularidade cresceu gradativamente e ele continuou produzindo em ritmo acelerado, mesmo sofrendo crises por contada deterioração de sua saúde. Sua morte se deu em 1916, por problemas decorrentes de uma úlcera da qual já sofria havia anos.

Soseki foi um artista completo, se debatendo com as questões perenes da humanidade, cujas respostas não podem ser resumidas só aos valores éticos nem só às preocupações sociais e históricas. O interesse no autor foi renovado mundialmente nos últimos 20 anos, marcados pela chegada de novas traduções de suas obras nos mais diversos países. Para qualquer um que deseje entender o desenvolvimento moderno da cultura e da sociedade no Japão, ao mesmo tempo em que entra em contato coma genialidade criativa de um grande mestre, Soseki será ainda por muito tempo um interlocutor essencial.


 
CURIOSIDADES
 
— Nota de mil ienes
Entre 1984 e 2007, Soseki figurou nas notas japonesas de ¥ 1.000, o que demonstra seu prestígio e sua presença no cotidiano do povo japonês.


 

— A casa do gato

Na região de Nagoya, o museu Meiji-mura reúne construções importantes do período Meiji em um grande espaço ao ar livre. A casa onde Soseki escreveu Eu sou um gato foi reconstruída no Museu e fica aberta aos visitantes.


 

 
— História viva
Tudo que se relaciona à vida e à obra de Soseki — desde as casas em que o autor morou até o trem e os bolinhos citados em Botchan— se tornaram patrimônio histórico. Em Matsuyama, há várias atrações turísticas que celebram Natsume Soseki e sua obra. Dessas atrações, uma das principais é o Trem do Botchan, réplica de uma locomotiva a vapor que circulou na cidade entre 1888 e o meio do século passado. O trem original era um meio de transporte essencial à população da cidade. Hoje em dia, leva turistas e curiosos em passeios mostrando locais históricos de Matsuyama — e inclusive faz paradas na estação de Dogo, pertinho das termas que Botchan frequenta no livro.


 
— Robô Soseki
Para celebrar os 100 anos da morte de Soseki, em 2016, e 150 de seu nascimento, no ano seguinte, um time de especialistas japoneses empreendeu uma reconstrução robótica do escritor. O andróide dá palestras e discute literatura com estudantes, programado com traços da personalidade  e da experiência do autor que viveu em carne e osso. Na imagem abaixo, ao lado do robô Soseki estão Fusanosuke Natsume (neto de Soseki, à esquerda) e Hiroshi Ishiguro, seu criador.


 
 
 
— O retiro de Soseki 
Shuzenji, uma cidade de 'onsen' (termas),fica no coração de Península de Izu e é um paraíso natural, com uma rica história associada a suas águas quentes. A cidade também é importante pois foi para lá que Natsume Soseki foi em 1910, quando estava hospitalizado por conta de sérios problemas no estômago.A viagem foi sugestão de um amigo poeta. Lá, Soseki ficou no hotel Kikuya, cujo lounge central até hoje é conhecido como Soseki no Iori (“O retiro de Soseki”).

Soseki acabou vendo sua condição piorar, até o epísódio conhecido como Shuzenji no taikan (o “colapso em Shuzenji"), uma violenta hemorragia estomacal que quase causou sua morte. Este colapso teria sido devido ao estresse causado pela rotina intensa de trabalho de Soseki como escritor, professor e jornalista,somada à vida pública de intelectual. Em 1909, antes de viajar, o autor estava no auge de sua expansividade e confiança, pouco após ter publicado Sanshiro, E depois e O portal. O episódio de quase-morte acabou tendo efeito inclusive sobre a literatura de Soseki,que, após o evento, passou a ter um olhar distinto sobre as profundezas da alma humana.
 
 



Fontes:

Education and the Kyoto School of Philosophy: Pedagogy for Human Transformation. Paul Standish, Naoko Saito. Springer Science & Business Media,2012.

AndThen. Natsume Soseki. Tradução e posfácio de Norma Moore Field. Tuttle Classics, 2011.
Botchan. Natsume Soseki. Kadokawa Bunko, 1979.
 
http://www.alternativa.co.jp/Blog/View/69/1937/Ha-150-anos-nascia-o-escritor-que-estampou-a-nota-de-1000
 
https://www.japantimes.co.jp/life/2016/10/08/travel/onsen-retreat-transformed-natsume-soseki/

https://en.matsuyama-sightseeing.com/spot/17-2/

https://www.japantimes.co.jp/news/2016/12/08/national/soseki-android-unveiled-rekindle-interest-late-author/?fbclid=iwar2cc3szlqz6c555fynn0prbjq6fiep2h4chb57ndu3e3364eyfrgtyn2x4
 

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