SUCESSO EM RITMO DE J-POP

Osamu Dazai, cujo nome verdadeiro era Tsushima Shuji, nasceu em Kanagi, Japão, em 19 de junho de 1909. Estudou literatura francesa na Universidade de Tóquio, e sempre teve uma vida familiar atribulada. Por causa de um relacionamento com uma gueixa, Hatsuyo Oyama, acabou deserdado pelo pai.

Tentou o suicídio em quatro ocasiões, sendo duas delas antes de completar 20 anos de idade. De saúde frágil e com recorrentes problemas financeiros, Dazai tornou-se alcoólatra e passou por diversas internações hospitalares, além de viciado em morfina. Após se separar de Hatsuyo, casou-se novamente, com uma professora, Michiko Ishihara.

A literatura foi um de seus poucos refúgios, tendo escrito contos, relatos e novelas. Suicidou-se às vésperas de completar 39 anos, juntamente com sua amante na época, Tomie Yamazaki, jogando-se no rio Tama, em Tóquio, em 13 de junho de 1948.


A curta passagem pela vida do escritor japonês não o impediu de se transformar num autor essencial para a literatura japonesa no século 20. Dentre suas obras, a mais popular é o romance autobiográfico chamado Ningen Shikkaku, lançada em 1948 (pouco antes do duplo suicídio no Tamagawa) e traduzida para diversos idiomas em todo o mundo. Foi traduzida por Ricardo Machado e publicada pela Editora Estação Liberdade no Brasil em fevereiro de 2015, com o título Declínio de um homem, chegando agora em sua 11ª reedição.


No romance, Dazai sintetiza em cenas e passagens notoriamente biográficas muitas das angústias que tanto alimentavam sua personalidade autodestrutiva, expondo sua dificuldade de entendimento com seus familiares, sua antissociabilidade niilista, seu patológico apego ao álcool — vício do qual nunca conseguiu se livrar —, sua autoestima inexistente, enfim, sua evidente sensação de deslocamento em relação ao mundo — como se tivesse sido enviado à existência por mero descuido. 


O livro é estruturado em três “cadernos”, nos quais o autor, por meio do personagem alter ego Yozo — um jovem estudante provinciano que tenta sobreviver na capital Tóquio — relata em primeira pessoa diversos episódios sobre as hostilidades da vida que ele tem de enfrentar. Yozo é um depressivo contumaz cuja tristeza se espraia nele como uma metástase, contaminando suas energias e impedindo-o de recuperar uma alegria de viver que, na verdade, nunca sentiu. Se a princípio o jovem Yozo até se esforça para “ser aceito” pelos outros, esse esforço mascara uma dificuldade que lhe é atroz: sem a personalidade própria dos carismáticos, o rapaz recorre ao estratagema de fazer “palhaçadas”, de modo a parecer divertido aos olhos de outrem. As momices, que podem incluir até esforços físicos — levar um tombo, por exemplo — muitas vezes funcionam, mas, quando desmascaradas, traumatizam ainda mais o personagem. 


Afastado da família, e com dificuldades financeiras, ele sobrevive escrevendo histórias e fazendo desenhos de qualidade duvidosa — e com incursões na pornografia — para alguns periódicos populares. Nem mesmo as mulheres que se apaixonam por ele o fazem minimamente feliz, de modo que, com o passar do tempo, as manias de Yozo se tornam cada vez mais perturbadoras, pintando-o como um “jovem Werther japonês”.

Êxito editorial


A procura pelo livro é constante. Só no ano de 2021 foram cerca de 10 mil exemplares vendidos pela Estação Liberdade. Em 2023, tornou-se, pelo terceiro ano consecutivo, o best-seller da editora. Nos últimos três anos foram vendidos cerca de 30 mil exemplares.


A história já foi adaptada para filmes, animações e mangás, e ganha cada vez mais visibilidade e novas adaptações.


Entre os mais conhecidos está Aoi Bungaku, uma série de anime japonesa inspirada em seis contos da literatura japonesa, que tem com o episódio da história de Dazai o seu ponto alto.


Também o filme intitulado Human Lost, dirigido por Fuminori Kizaki, que, aliás, contou com pré-estreia gratuita em São Paulo no começo de 2020, e depois passou a ser exibido no Telecine e nos serviços de streaming.
E ainda o famoso mangá desenvolvido por Junji Ito, que foi traduzido para o inglês com o mesmo título que usaram para a tradução do romance: No Longer Human. A publicação deu fama mundial à história. No final do ano passado, a editora JBC publicou o mangá no Brasil com o mesmo título do nosso livro: Declínio de um homem.


O êxito editorial de Declínio de um homem talvez possa ser explicado pela maneira catártica com que Dazai escreve: diferentemente de seus pares mais tradicionais da literatura japonesa, em geral caracterizados pela sutileza e por tons etéreos, Dazai escreve com as vísceras, não se importando em trazer à tona fantasmas interiores mais obscuros. Sua escrita angustiada o coloca numa posição especial dentro do mapa da literatura japonesa, e reverbera no sucesso de vendas, que atrai multidões de leitores e, guardadas as proporções, cresce em ritmo de j-pop.


Do autor, lançamos também Mulheres, em que estão reunidos catorze contos narrados, todos eles, justamente, por mulheres. O artifício narrativo é ousado, sobretudo à época, em um Japão ainda mais conservador do que o dos dias de hoje, mas Dazai o aplica com maestria e deixa que essas vozes femininas falem à vontade e com contundência.



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